É possível que seja, a bicicleta, uma das mais democráticas invenções que o homem foi capaz de produzir. Ainda que haja bastante controvérsia sobre sua origem, ao que tudo indica ela nasce, como projeto, na China, há mais de 2500 anos. Mas foi um alemão chamado “Karl von Drais, que, em 1817, implementou um sistema de guidão num brinquedo chamado “celerífero” (criado em 1780 pelo Conde de Sivrac), que consistia em um par de rodas ligadas por uma viga e com suporte para as mãos, com propulsão pelos pés no chão, no mais legítimo modelo “Flinstones”. O projeto foi um fiasco.

Acontece que, com as evoluções tecnológicas do século XIX, o projeto ganhou um quadro de ferro e uma “sela”, melhorando o conforto. Em 1862 os pedais são acrescentados por “Pierre Lallement”, desta feita conduzindo o invento ao sucesso.

De qualquer forma, ainda que haja uma diversidade de versões históricas para o nascimento e evolução das hoje famosas “bikes”, é muito interessante observarmos sua importância para o curso das nossas vidas, em especial das crianças que fomos, e das crianças que acompanhamos.

Ela pode ser vista em qualquer lugar nos dias de hoje. Ela está no transporte individual e coletivo de pessoas, ela está nas competições de velocidade nas pistas, nas montanhas e suas ribanceiras, nos parques, nas rodovias. Sua utilização tem sido incentivada, quer pelos benefícios à saúde que ela proporciona, quer pela “emissão zero” de poluentes. 

Num primeiro momento, merece destaque o fato de que a bicicleta se utiliza, como força motriz, o próprio corpo de seu condutor. Sendo assim, as dificuldades iniciais do aprendizado são focadas no binômio “força-equilíbrio”. Seja qual for a estratégia adotada para que se desenvolva uma relação de equivalência destas duas variantes, obrigatoriamente se estabelece uma integração entre o corpo (força) e seus sentidos (equilíbrio). 

Quando as primeiras pedaladas são possíveis, se estabelece uma relação de continuidade do corpo. A bicicleta se torna uma extensão do ciclista, seja ele adulto ou criança, respeitando seu ritmo, obedecendo seus gestos, e se orientando pela direção por ele definida. Ela passa a ser parte de um todo.

Mas não se resume a isso. Em geral este aprendizado a que fomos submetidos se recobre de muita memória afetiva. As remotas lembranças da infância onde as bicicletas são encontradas, necessariamente nos remetem ao carinho de quem nos encorajava, nos segurava durante as primeiras tentativas, quem acompanhava nosso percurso com olhos tanto atentos quanto preocupados, e que, no primeiro tombo, se apressava em nos curar feridas e nos ensinar sobre persistência. Ora, dedicação, atenção e persistência são pilares firmes de nossa existência adulta. Estes conceitos nos acompanham por toda a vida. 

Não é difícil observar uma estreita relação nos aprendizados que envolvem a bicicleta, com os exercícios de corpo e sentidos, com as sensações de liberdade e autonomia que ela promove, e nas interações afetivas que elas proporcionam. Os inéditos têm morada garantida: nossa primeira bicicleta; as primeiras pedaladas, o primeiro tombo e o consequente primeiro medo enfrentado. Tudo permanece em nós.

Sendo assim, é importante refletirmos sobre os impactos positivos (e eventualmente negativos) que a nossa bicicleta deixou em nós. Qual era a cor e o modelo da sua? Quem ensinou e qual o método utilizado? Rodinhas? Quando elas saíram? 

Todos temos histórias para contar a partir de nossas bicicletas, com as aventuras vividas, as relações estabelecidas, o exercício da espera para o Natal ou aniversário para quando foi prometida, as alegrias que dela extraímos. Vamos rememorar as marcas deixadas em nossa memória, ou as cicatrizes impressas em nossas pernas. Bora?