As crianças estão abertas para a vida com toda as suas potências. Por que, mesmo sem querer, teimamos em atrapalhá-las? Quem responde é Stela Barbieri, artista plástica e consultora em educação

Da infância em Araraquara, no interior de São Paulo, a artista plástica, autora e consultora em educação Stela Barbieri guarda o tempo, o espaço e o silêncio. Na casa de três tias, donas de um quintal desses que misturava chuchu, roseira e jabuticabeira, ela viveu com intensidade. Ali, brincadeira e arte eram uma coisa só.

“Essa casa e essas três mulheres — Maria, Conceição e Lilita — foram decisivas no que eu sou. Era uma casa muito divertida, muito cheia de possibilidades de brincar, de fabular, de inventar coisas”, conta Stela.

Quando o espírito brincalhão pedia respiro, ela balançava e encontrava uma rica vivência interna. “Eu balançava horas e horas por dia. No balanço do quintal. Na cadeira de balanço. Balançava para dormir”, relembra a artista plástica. “Essa possibilidade do balanço foi algo muito rico para mim, meditativo, um momento de seguir viagem, fazer meus filmes internos, histórias, imaginar cenas.”

As crianças vivem muito mais o estado da arte. É o estado de percepção de criar outros movimentos para a vida. Os estados da arte acontecem em muitas situações e as crianças estão mais abertas para isso ao olhar uma coisa micro na calçada, para o céu e o formato das nuvens. É uma vivacidade. O tanto que uma criança pode aprender um dia é enorme.

Já na hora de ir para a escola, ah, a escola, essa deixava a desejar. Stela gostava de estar com os amigos, mas o jeito que o ensino era feito não era algo bom.

Você tem uma história parecida? Também preferia outros lugares à escola?

“Até hoje o grande desafio da escola é dialogar com as diferenças todas para que todas as crianças e jovens possam habitá-la”, explica Stela. Ela reforça uma palavra bem importante, que apareceu várias vezes durante a nossa conversa: possibilidade.

Para os pequenos, tudo é possibilidade, desde a nuvem do céu até a folha seca caída no chão. Mas o que isso significa? Significa que você não precisa de um brinquedo específico para abrir caminhos para as crianças se expressarem.

“As crianças se perguntam por que é que os cabelos nascem, por que o céu é azul, elas vão entrando pelas várias áreas do conhecimento e querendo investigar”, afirma a artista plástica. “Aí a gente corre um risco: em vez da criança poder se expressar, ela pode acabar se acomodando. Isso é matar muitas possibilidades.”

Pé no freio

As crianças de qualquer cidade do Brasil, com ou sem equipamentos culturais, têm uma prontidão para a vida. O espaço em que essa prontidão brilha pode ser o quintal ou a própria casa, como no caso de Stela.

Mas a gente vem perdendo essa maneira simples de olhar para o mundo. E custa a entender o porquê. Uma das explicações é a correria da vida. Mesmo nas cidades do interior, todo mundo está correndo. A resposta? É preciso desacelerar.

A gente vive em uma sociedade que precisa ter novidade todo dia, como se fosse preciso novo brinquedo. Isso também é vazio. Às vezes é uma pequena mudança que muda tudo. O nosso estar nesse mundo se dá em coisas pequenas. De fato, o que vale a pena são os encontros fugidios.

“Na minha casa tinha lanche da tarde com mesa posta. Tinha bolo, sequilho, era um outro tempo para o mundo”, lembra Stela. “A gente pode inventar nossa vida, não precisa ser refém de uma vida prescrita. A gente pode se perguntar: Quero fazer isso? Vejo sentido em fazer isso? Me enche de vida fazer isso? Ou isso está matando a possibilidade de inventar a vida?”

As perguntas são difíceis de responder, mas influenciam diretamente o jeito que a gente olha para a infância das futuras gerações. Precisamos estar atentos. Ter possibilidades é estar vivo.

“E a arte”, diz Stela, “serve para criar a faísca da vida.”

Perguntas para pais, educadores, filhos, amigos…

  • Quero fazer isso? Vejo sentido em fazer isso? Me enche de vida fazer isso? Ou isso está matando a possibilidade de inventar a vida?
  • Como a gente habita nosso corpo? Como habita o mundo? Como esse habitar se dá e quais as possibilidades da gente criar uma vida mais viva
  • Como você não restringe o outro e não se restringe? Como essas várias experiências de compartilhar espaços, experiências, investigações se atravessam e o que é que eles nos trazem?
  • Como que a gente sai da normalidade do dia a dia, que nos prende, em uma caixinha ou num crachá, em um modo de ser?
  • O que me move nesse momento nessa relação com as crianças? O que eu posso mudar para dar as crianças uma possibilidade de invenção de curiosidade, de brincadeira, de vida? Como eu crio vida aqui?

Pequenas grandes ideias

  • Investigue com as crianças o quintal, a praça, a rua
  • Crie tempo e espaço para elas sonharem, fabularem, imaginarem
  • Arranje encontros. Leiam juntos, cantem juntos, façam saraus de poesia
  • Desacelere. Tenha conversas que não sejam atravessadas pela TV, celular ou redes sociais
  • Crie silêncios. Abra caminhos para as crianças se expressarem

Texto publicado originalmente em 09/08/2016 no site Itaú Cultural