Muitas vezes tenho escrito sobre a relação primordial entre educação e poesia.

A poesia educa a inteligência, a sensibilidade, a imaginação. É uma necessidade vital, embora pouco reconhecida em nossos dias. Como despertar o desejo de viver poeticamente? Essa questão atravessa todos os dias de minha existência, do meu trabalho como professor, assim como de escritor. Desejo compartilhar agora uma parte da abertura do livro O silêncio e o sentido, publicado no início de 2019, pela Tessituras:

“Precisamos de voz própria, para dizermos o que nos cabe dizer. Precisamos de encontros humanos genuínos, desses em que nos reconhecemos uns aos outros, uns nos outros. Precisamos da alegria de viver e de criar. O mundo não está terminado. Continua a ser feito, na acumulação invisível dos dias. Precisamos da convivência com a natureza, protegida de nossa atividade de devastação. Precisamos da dimensão poética da vida.        

Muito tenho escrito sobre a necessidade da poesia, reconhecida como utopia da palavra, origem e terra prometida da linguagem, que alarga as margens da existência. Essas páginas permanecem válidas. Enumero algumas de suas ideias matrizes.

A poesia é uma experiência de liberdade. De diálogo. De criação. Desenvolve a capacidade de interpretação e de questionamento. Mais do que antes, precisamos dos sentidos figurados, das entrelinhas, das metáforas, dos símbolos, das novas significações que emergem, não previamente programadas por algoritmos. Essas são práticas radicalmente humanas. Precisamos das indagações, das perguntas primordiais, sempre recomeçadas. Precisamos da curiosidade que nos mantém vivos, inquietos anelantes.

Ao mesmo tempo que propicia o distanciamento crítico, a poesia desenvolve a capacidade de empatia e pertencimento. Possibilita o retornar a nós mesmos, a quem realmente somos em nosso vir a ser. O retornar aos que amamos. O retornar ao que é vitalmente significativo para nós, com suas margens que se movem.

Pelo seu poder de evocação, a poesia desperta o sentimento de estarmos vivos, desperta o desejo de viver e conviver criadoramente. Cada leitor é convidado a descobrir e a elaborar sentidos, imagens, ritmos, emoções – como co-autores dos poemas, que não são objetos de consumo, mas de criação e recriação. Essa leitura lúdica e criativa é uma experiência de autoconhecimento e de transmutação alquímica: o leitor se redescobre e inventa a si mesmo. A atividade poética nos ajuda a recordar que somos não apenas criaturas, mas também criadores de cultura, de sociedade, de história.

A poesia nos chama para inseparavelmente sentir e pensar. Educa a inteligência da sensibilidade e a sensibilidade da inteligência, religadas de modo singular. Educa o ver com olhos próprios, olhos livres, olhos novos. Educa igualmente a imaginação, que revela a realidade e engendra outros campos do possível.

Contra o uso raso e instrumental da linguagem,  poemas mantêm a vitalidade das palavras, em suas múltiplas dimensões: como forma de conhecimento, de comunicação, de diálogo, de ação, de pensamento, de representação simbólica, de imaginação criativa. A experiência poética entretece a fala cotidiana e palavras primordiais do patrimônio cultural que pertence a todos e que atravessa o espaço-tempo. A poesia preserva a língua – que é viva e, assim, pode definhar e morrer, se não for vivenciada expressivamente.

É imprescindível fazer mais uma consideração, para temperar a paixão dessas páginas de crítica a aspectos sombrios de nosso tempo, e para não repetir reducionismos e dicotomias. É necessário reconhecer as iluminações.

Sabemos, e isso não é novo, que as tecnologias todas são ambivalentes, agudas facas de dois gumes. Podem servir para a vida ou para a morte. Para emancipação ou escravidão. Usadas com princípios e práticas humanistas, as tecnologias contemporâneas podem multiplicar a disseminação da poesia, democraticamente. Podem inclusive contribuir para a redescoberta da poesia falada – agora não apenas em torno de uma fogueira, mas ao redor da Terra inteira. Podem propiciar o contato com a arte historicamente criada, patrimônio da humanidade, a milhões e milhões de seres humanos que não teriam outra oportunidade. Isso pode ser feito imediatamente. Temos consciência e meios materiais com potencialidades que nem sequer imaginávamos.

Em nossos dias, a acumulação de ruínas coexiste com os anúncios de novos partos. Não sabemos o que vai prevalecer. A vida presente e a vida futura dependem do que fizermos agora. Ainda há tempo de salvar o que nos salva.

A poesia nos aproxima dos sentidos nascentes.  Viver poeticamente é um dos modos mais fecundos de resistência e renascimento.”


Nesse último sábado, tivemos um encontro com Severino, Kátia e Alexandre para o lançamento do livro “A poética da infância”, que foi embalado no mês de junho.

Confira algumas fotos desse dia poético na Casa: