Por Telma Holanda

“Os materiais são os textos da sala de aula da Educação Infantil (…) eles oferecem aberturas e caminhos pelos quais a criança pode entrar no mundo do conhecimento.”

Fotos: Fabricio Sena

Se considerarmos os materiais na sala de aula de Educação Infantil como textos, podemos dizer que as palavras que mais encontraremos nesta leitura serão classificadas como verbos: toque, cheire, aperte, molhe, explore, amasse, prenda, encaixe, vire, dobre… Ah! Seria uma lista em que muitos deles estariam conjugados no modo imperativo sendo impossível deixar de lê-los e cumpri-los.

Não se trata de uma análise e síntese linguística, mas de uma leitura significativa se tivermos como princípio que este texto pode ser considerado um gênero específico.

Pensando na criança frente a uma diversidade de materiais como tubos, papéis, mangueiras, escorredores, buchas, tintas, argolas, peneiras, canos, lãs, linhas e arames; podemos afirmar que ela não ficaria alheia, desinteressada. Certamente se posicionaria como uma grande leitora, identificaria o gênero, vibraria com a narrativa. A criança ficaria encantada com as palavras, cores, e rapidamente elaboraria relações e ações, colocando em jogo suas mãos, mente, imaginação e conhecimento de mundo.

Partindo desta perspectiva de olhar, a interpretação subjetiva pressupõe que não há limite nesta proposta, ainda mais quando acreditamos na capacidade das crianças e nas suas formas de compreensão e expressão.

Deixando as questões da língua um pouco de lado e apoiando-se numa leitura real do que os materiais na sala de aula promovem aos pequenos, podemos afirmar que a rotina na sala de aula pode ficar comprometida em algumas situações, não pela falta dos objetos, mas pela falta de cultura, do uso, de uma relação direta e habitual um esses materiais e da LEITURA desse gênero.

Mais do que um texto, os materiais permitem possibilidades de modificação, estruturação e transformação; portanto precisam de um leitor fluente que saiba não só decodificar, mas também que saiba lê-lo nas entrelinhas e interpretá-lo, daí a necessidade de desenvolver na criança e no professor um despertar para o olhar dessa leitura e de da forma de apresentação na sala de Educação Infantil.

Pensando na leitura desse gênero, em suas particularidades e percebendo a necessidade e dificuldade entre os educadores para o desenvolvimento dessa cultura, promovemos um encontro de formação com professores da rede pública e privada com o tema “Materiais tradicionais, experiências não convencionais”.

Por meio desse encontro, tendo teoria e prática em diálogo e com grande foco na exploração de materiais, procuramos aproximar as professoras dessa nova cultura. Cultura que enxerga a criança como competente, criativa, construtora de seu conhecimento, protagonista de seus saberes. Criança que aprende com e através da relação que estabelece com esses objetos.

Quando pensamos nos materiais num contexto escolar, muitas vezes vem-nos à lembrança as canetinhas e os lápis com suas muitas opções de cores, uma série de papéis cartonados, massas de modelar, tintas, colas. Uma lista que mobiliza pais no início do ano na busca de adquiri-la revelando ações prováveis que os filhos vivenciarão na escola: pinturas, colagens, desenhos. Material é muito mais que isso.

A palavra provém do termo latim materialis e diz respeito àquilo que pertence ou é relativo à matéria; segundo o Dicionário Aurélio é o conjunto de objetos empregados numa exploração, são apetrechos. O que podemos afirmar é que, na escola, o material deveria ir além das definições formais e da lista entregue no começo do ano. Ele é a possibilidade, o pensamento, o ensino e a aprendizagem nas mãos e cabeça das crianças.

…A criança tem cem mãos

Cem pensamentos

Cem modos de pensar

de jogar e falar…

Entendemos perfeitamente Loris Malaguzzi (2008) quando afirma que não é possível a criança pensar sem as mãos, de fazer sem a cabeça e de compreender sem alegrias.

Sabemos que o conhecimento dos materiais requer ação integrada do corpo dessa criança para desvelar, compreender, imaginar, observar, investigar, relacionar, experimentar e ler as muitas linguagens contidas neles. Segundo Emmi Pikler (2013), a criança que consegue algo por sua própria iniciativa e por seus próprios meios adquire uma classe de conhecimentos superior àquela que recebe a solução pronta. Diante disso, qual deve ser a atenção do professor ao propor a construção de conhecimento por meio dos sentidos da criança?

Em meio a depósitos e lojas de preço único, adquirimos uma diversidade de objetos diferentes dos convencionalmente solicitados para o contexto escolar e os levamos para nossa formação: escorredor de arroz, mata mosca, martelo de alumínio, socador de madeira, bacias plásticas, luvas com texturas, rolos de macarrão, espremedor de batatas, raladores, peneiras, cruzetas utilizadas para colocação de pisos, pás de pedreiros, pedaços de canos, conduítes e outros tantos que nos davam a certeza de que, além de uma boa provocação, propiciaríamos aos professores uma experiência multissensorial.

Com os objetos em mãos e antes de oferecê-los aos professores, fizemos uma leitura global de identificação das características e estabelecimento de propósitos, para, depois, de forma analítica e cuidadosa, selecioná-los e agrupá-los, já que se tem em mãos uma variedade de materiais que permite ao professor uma infinidade de leituras. Há de se salientar que essa mesma “plurissignificação” dos objetos é também vivenciada pelas crianças.

As leituras frente aos materiais apresentados pelas professoras demonstram o quanto a construção de uma relação entre “professor e material” manifesta pensamentos, hipóteses, conhecimentos e sentimentos, enfim, revelam as posturas assumidas diante dos materiais que ora ocupam a posição de instrumentos para a aprendizagem. Note-se que, mais uma vez, a criança também tem a oportunidade de participar ativamente da atividade e de trazer seu conhecimento de mundo para a sala de aula.

Transparência, forma, cor, altura, textura, luminosidade, flexibilidade, maleabilidade, temperatura são palavras que fazem parte das atividades de leitura dos materiais oferecidos durante as aulas. É certo que essas intervenções visam à expansão da criatividade, do conhecimento e das possibilidades de leitura do mundo por parte das crianças.