Para os que entrarem nos mesmos rios, outras e outras são as águas que por eles correm… Dispersam-se e reúnem-se, juntas vêm e para longe fluem… aproximam-se e afastam-se.

Entre tantas imagens que representam nosso encantamento, nosso pasmo – e, muitas vezes, o nosso medo e nossa dor – diante do movimento ininterrupto das coisas, da natureza e da vida, foi esse fragmento de Heráclito de Éfeso, filosofando ali perto dos anos 500 A.C., que imortalizou a inevitabilidade da mudança. 

Essa frase atravessou outras obras filosóficas e nos chegou resumida assim: ninguém se banha duas vezes nas águas de um mesmo rio. Agora dá para lembrar, não é?

Sim, mudar. No mundo da incerteza e da instabilidade, é moda celebrar a mudança. Daí vem o sucesso de expressões como “se reinventar”, encontrar a “melhor versão de si mesmo”, ou de tendências corporativas como a Teoria da Mudança. 

Mas, se fosse assim tão bom e tão fácil, quem estaria correndo atrás de pesos, plásticas, novos amores, psicólogos, milhas, que nada mais são do que os mesmos sinais de que tudo muda? Quem não tentaria deter o tempo para os filhos não crescerem, os pais não envelhecerem, a viagem não acabar? Não é tão simples assim, não é? Em parte, porque não estamos no controle de quase nada do que muda. Mudaria o Natal ou mudei eu?, perguntava Machado de Assis, no último verso de um soneto antológico.

Vãs filosofias. Vamos mais um pouco? Gosto de separar os problemas em duas partes. Pode ser reducionista, binário, maniqueísta, mas é difícil lidar com a jaca sem parti-la ao meio.

Bom, de um lado, está uma certa forma de ver a vida como degraus, cascatas, pavimentos. Estamos indo lá calmamente e… pronto, fiquei grávida, mudou tudo. Estava tudo meio parado e… mudei de emprego. Quando tudo parecia uma mesmice… a paixão aconteceu. Muitas vezes, desejamos tanto a segurança que pensamos na nossa vida como uma sucessão de intervalos entre conservação e, vade retro!, ruptura. 

Entender a vida assim é um autoengano. Se você passar hoje o dia todo deitado, amanhã terá mudado um pouco. Nem que seja com mais dor nas costas. Nenhumazinha célula do seu corpo deixou de morrer e renascer, sua mente processou pensamentos sem parar, seu coração bateu. Ah, e se esse parou, nem adianta ler mais. Morreu aqui.

Assim, se você não vê a vida como uma rampa de estacionamento de shopping, sobe, estabiliza, desce, estabiliza, é porque entendeu porque mudar não é um fato, é uma imanência (a segunda metade da jaca). Só há vida onde há mudança. Como no Eclesiastes: “…há tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar… tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora”. 

Quem sabe valha a pena parar de brigar com a ideia de mudança, e aceitar, como diz a sabedoria oriental, que ser feliz implica em encontrar a harmonia no movimento. Ou, para voltar ao nosso Heráclito, também chamado o Obscuro, pois o moço gostava de uma charada, podemos pensar que tudo muda para permanecer – não igual, mas em certo misterioso equilíbrio. 

O tal rio de Heráclito representa, em sua filosofia, não apenas a mudança incessante, e sim a imagem da regularidade que constitui o mundo, entre forças e reações.  Diz ele: “Essa ordem do mundo, não a criou nenhum dos deuses, nem dos homens, mas sempre existiu e há de existir: um fogo sempre vivo, que se acende com medida e com medida se extingue”.

Pois dentro de você já cresce, agora, um desejo novo que ainda nem aflorou na sua consciência; a certeza de que algo se encerrou; a gota d’água; a aceitação do rumo das coisas; o amor, a saúde, a doença, a gratidão, o arrependimento, a coragem do salto. Já aconteceu, está acontecendo agora, nesse exato momento, de forma mais ou menos consciente. Cada ano, cada mês, cada dia, cada hora, cada milionésimo de segundo gesta o movimento: a transformação não nos acontece como fato, como quem pega uma gripe ou tropeça na rua. Nós somos feitos de matéria viva que muda, à procura dialética de um novo equilíbrio, para sempre.