Ele é nascido Manoel Wenceslau Leite de Barros, em 19 de dezembro de 1916, e não morrerá jamais. É esse Manoel de Barros, o poeta do pós-modernismo brasileiro que colore os nossos ouvidos e brinca com as palavras. Nascido e recriado no pantanal, colheu do chão de pequenezas sua grandiosa obra. Quem não deseja ser afetado por sua leitura, que não o leia. Mas se um dia desejar aproximar-se de seus escritos, por automático se fartará de poesia, bichos, chão, estranhamentos e muito, muito encantamento.

Pela armação simples e marcante de seus óculos, daqui prá lá temos a sensação de que seus olhos são aumentados. E de fato são mesmo. Por eles Manoel vê o que não vemos, e por conta disso, atribui às coisas desimportantes (para quem olha e não vê) uma grandeza que só se compara ao tamanho de Manoel.

Em sua infância, segundo seus próprios relatos, não se viu rodeado de outras crianças que lhe estimulassem a “criancês”, por isso dedicou-se a brincar de fingir que pedra é lagarto, de lata que é barco, de sabugo de milho que é boi. Foi assim, por conta de tê-lo sempre no colo que a natureza adotou o pequeno Manoel por filho, e passou a tratá-lo como tal, entregando-lhe o melhor de si. Tudo.

A peraltice que se espera das crianças foi acumulando nele, feito represa. Ainda jovem formou-se em direito cuja serventia foi afastá-lo, ainda mais, do arredondamento das palavras e das construções pré-fabricadas que tanto aproxima a mesmice da burocracia. Esse avesso conduziu Manoel ao delírio dos verbos e a poesia choveu-se dele.

Me conforta saber que Manoel não fez uso dos nossos editores de texto, porque sua obra seria sublinhada de vermelho pelo desconhecimento que a tecnologia tem de suas intenções. As suas “crianceiras” não encontrariam aprovação no vocabulário grande e vazio de nossas máquinas. É assim que está este meu texto, cheio das má-intenções corretivas. Foi no devaneio de suas observações que encontrou sossego para tratar das mais urgentes desimportâncias, tão grandiosas quanto às formigas e as garças. Suas palavras fazem curvas como as de rio, que por hora contornam folhas e noutra vez sobrepassam pedras. Se viram quando querem.   

Aos educadores propôs, numa das poucas entrevistas que concedeu, que levassem suas crianças a se banhar em rios, porque dali extrairiam lições que nenhum outro método lhes ofertaria. É preciso dar ouvidos a isso. Tanto falamos sobre o chão que a escola oferece, mas quem sabe seja a hora de repensarmos qual o chão que oferecemos à escola? Deixar que nossas crianças sejam tocadas pelo chão, não pra que seus pés resfriem do piso frio, mas de forma que se misturem à terra e lhes aqueçam. É no encosto da semente com a terra que a raiz procura rumo. Não há outro jeito.

Seu revés foi tamanho, que fez de seu melhor amigo, Bernardo, árvore. Manoel se foi ao encontro dele em 2014. Certamente também virou passarinho para compor o amanhecer e hoje os dois voam juntos tornando a palavra menos estética e a paisagem mais poética.